‘Não sei se no futuro continuarei ligado ao desporto, mas se tal não acontecer há alternativas, não estou limitado’ – Gonçalo Cardoso
Gonçalo Cardoso tem 22 anos, é alfacinha de gema, e formou-se em Estatística Aplicada na Faculdade de Ciências de Lisboa. Terminou com média de 16, começou a estagiar na área, e já pensa no mestrado em Bioestatística. Ligado ao futsal muito por influência do pai, integra hoje a Seleção Nacional Universitária masculina de futsal que disputará a partir de segunda-feira o Campeonato Mundial Universitário da FISU, tendo já representado a AEFCL nas competições universitárias. Conciliar tudo já é rotina e o difícil por vezes é desligar a ficha.
Ouvimos dizer que és bastante dedicado aos estudos, um dos melhores alunos desta seleção. Confirmas?
Gonçalo Cardoso (GC) – Posso dizer que sou dedicado. Acabei com média de 16 valores a licenciatura [em Estatística Aplicada] no ano passado, depois optei por não fazer mestrado e surgiu a oportunidade de estagiar no Banco Oney e estou no mercado de trabalho, a trabalhar na área em que me licenciei.
Como está a correr esta primeira incursão pelo mundo do trabalho?
GC – Está a correr muito bem, acho que tive sorte com o grupo onde estou inserido porque eles me acolheram bastante bem. Estou a pôr em prática aquilo que aprendi, o conhecimento que se adquire é totalmente diferente, e agora aliado a esse trabalho acabei por me candidatar ao mestrado em Bioestatística. Com uma licenciatura cumprida em três anos, com um ano de estágio que talvez se possa prolongar, e com o mestrado, acho que estou a criar uma boa bagagem para o meu futuro.
E tem sido fácil ser tão metódico e dedicado e depois ainda haver espaço para o futsal?
GC – A altura mais complicada é a dos exames. Na licenciatura o que eu sentia às vezes era o cansaço acumulado depois de um dia inteiro a estudar, ir treinar e depois do treino ter de voltar a estudar. A minha opinião é a de que não há ninguém que possa dizer que não consegue estudar ou estagiar e jogar. Consegue-se fazer e não senti quebra de rendimento, antes pelo contrário, acho que tenho vindo a crescer a nível de ambição e foco. Ter outra atividade aliada ao futsal não me tem prejudicado em nada.
Pelo que percebo, sempre esteve nos teus planos continuar os estudos…
GC – Sim. Em Portugal acho que cada vez mais há a noção entre os atletas, e cada vez mais cedo, de que temos de preparar o nosso futuro pós carreira. No caso do futsal é uma carreira curta e se não nos prepararmos, depois é mais difícil a transição. Prefiro estar a fazer uma coisa de que gosto muito, já com a garantia de que também estarei preparado para o mundo do trabalho fora do desporto. Se conseguimos, o ideal para mim é ter êxito em várias vertentes das nossas vidas.
Ter esse plano B ajuda a encarar o futuro com um pouco menos de saudosismo, uma vez que a carreira no desporto não dura sempre?
GC – Gosto muito de futsal e tenho objetivos bem declarados, mas não gosto só de desporto. Gosto de muitas outras coisas e acho que seria mau se me fechasse só num ciclo ligado à modalidade. Gosto da área da matemática e da estatística, foi sempre algo de que gostei bastante, e é bom para não estar sempre a pensar no mesmo. Por mim mesmo já penso muito nas coisas – e no futsal ainda mais – então é bom conseguir desligar e focar-me noutras coisas, isso ajuda-me imenso. Não sei se no futuro, depois da carreira terminar, continuarei ligado ao desporto, até porque a estatística cruza-se com várias outras áreas, mas se tal não acontecer há todo um horizonte de alternativas pela frente, não estou limitado.
E dentro do desporto, chegaste a experimentar outras modalidades ou foi sempre futsal?
GC – Sempre futsal. O meu pai já esteve ligado ao futsal, jogou quando ainda lhe chamavam futebol de salão, e acabou por me passar um pouco essa vertente. Ele foi treinador e chegou a ser meu treinador, o que nem sempre era fácil porque ele acabava por ser mais exigente. Se eu penso muitas coisas, ele é três vezes pior. E quando me começou a treinar achava sempre que os outros pais pensariam que ele queria era pôr o filho a jogar e então fazia o contrário. Fui jogando porque sempre fui exigente comigo, mas a verdade é que levava com ele no treino, a sair do treino… e era muito desgastante. Mas fui muito influenciado por ele e agradeço-lhe, tal com à minha mãe e irmã, porque sempre foram pessoas que me ajudaram.
E ele acompanha os teus jogos, teremos a tua família em Braga e Guimarães para te ver jogar?
GC – Nos jogos da fase de grupos será um pouco mais complicado porque calham em dias de semana, mas acredito que façam um esforço para ir e se formos andando na competição, de acordo com os nossos objetivos, eles irão lá. O meu pai quando deixou de ser treinador continuou ligado aos staffs técnicos dos clubes onde estava e gosta de acompanhar-me a mim e à modalidade.
E a tua mãe e irmã?
GC – Muitas vezes falava com a minha mãe quando o meu pai me chateava porque era cansativo e tinha de desabafar… mas elas não acompanham muito o futsal, gostam mesmo é de me acompanhar a mim. Sabem as coisas básicas, mas se não forem jogos meus, não têm a iniciativa de ver. Gostam de me ir ver e isso aquece-me o coração porque é bom ver os sorrisos delas, e também é mau ver a tristeza quando não estou tão bem, mas isso faz parte do desporto e da vida. Estão lá para mim e isso é muito bom.
E no meio de estudo e desporto, há tempo para sair com os amigos, namoros…?
GC – Há tempo para tudo, ele não estica mas temos de o saber gerir da melhor forma. Sou novo e se não conseguir agora fazer o que quero, não será mais à frente. Com 22 anos dá para estudar, treinar, trabalhar, dá para estar com a namorada e a família.
O facto de seres ativo em várias vertentes tem-te trazido muitas amizades?
GC – Tenho muitos amigos do futsal e também tenho amigos da faculdade, embora nem sempre consiga viver o espírito académico como quem não está ligado ao desporto consegue. Ao início nem tanto, mas agora aceito isso com naturalidade. Não somos profissionais, mas se algum dia queremos ser termos de nos preparar desde cedo. Mas sim, o desporto dá-nos muitos amigos e os outros com quem não consigo estar tantas vezes também estão a fazer as suas vidas e a amizade não muda pelas rotinas serem diferentes.
Participaste pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa (AEFCL) nas Fases Finais de 20/21 e agora estás pela primeira vez a integrar a Seleção Nacional Universitária. Há por vezes a ideia de que são competições mais leves e que está tudo no mesmo saco?
GC – Quando fui jogar pela AEFCL senti uma enorme diferença quando competimos nos nacionais contra o Minho ou a UBI. E acho que não há mal em dizer que, no geral, as equipas de Lisboa quando vão às Fases Finais sentem essa diferença significativa. O número de federados é diferente e isso acaba por pesar em campo. Nesse ano que fomos aos nacionais, não tivemos momento nenhum de convívio antes dos jogos e perdemos os três jogos da fase de grupos. Essa postura teve influência minha e de mais dois ou três que estávamos mesmo focados naquilo. Não estou a dizer que quem vai aos universitários tem sempre uma postura mais relaxada e a existir que isso seja mau. Acho que por vezes os momentos de descontração também fazem falta. Eu ‘marro’ muito nas coisas e isso faz com que às vezes não disfrute tanto como deveria. Tem de haver equilíbrio e, por vezes, eu ainda não consigo chegar a esse equilíbrio. Em relação à seleção, somos jovens e descontraídos, mas todos temos a noção de que estamos a representar Portugal e que vamos disputar um mundial universitário, coisa que acontece uma ou duas vezes na vida. Aproveitamos, mas na hora de treinar, repousar e jogar sentimos o peso da camisola. Haverá muitos que gostariam de estar aqui. Começamos com vinte, agora somos catorze… sentimos muito o privilégio que é estar cá. Ninguém está na tropa, há tempo para tudo.
Estando aqui as equipas técnicas que acompanham as várias seleções de Portugal, nomeadamente o selecionador Jorge Braz, isto é mais uma oportunidade de se mostrarem em competição…
GC – Sentimos claramente a presença do mister Jorge Braz, os vídeos e as ideias que são passadas, as ideias de jogo relativamente a outras seleções são idênticas, claro que depois os intervenientes são outros… e sentimos que é uma grande oportunidade. Digamos que temos aqui um patamar acima dos sub-21, porque até aos 25 anos há a possibilidade de sermos chamados, onde temos uma oportunidade para agarrar da melhor forma.
E do teu clube, o Belenenses, para a seleção, os métodos de trabalho e rotinas diferem muito?
GC – As ideias de jogo são diferentes e os esquemas táticos também. A nível de foco e dedicação posso dizer que no Belenenses são máximas que seguimos como identidade do clube. Representar Portugal é diferente porque, se no Belenenses há uma competição constante porque todos querem jogar, aqui essa competitividade é ainda mais constante e visível. Em cada lance, em cada bola dividida. Representarmos Portugal, querermos estar nas decisões e sabermos que não podemos estar todos acaba por pesar mais. Estamos já os 14 que vão à competição e poderia haver algum relaxamento, mas a verdade é que nos contagiamos uns aos outros e todos queremos mostrar-nos mas também nos e ajudamos. E podemos agarrar-nos ao exemplo de tantos atletas que estão e passaram na seleção A e que começaram aqui.
E o que estás a achar do grupo?
GC – Já nos conhecíamos praticamente todos e estamos a criar laços com muita facilidade. Estamos juntos em estágio desde dia 1 de julho e senti logo que criaríamos um grupo forte, porque começamos logo com dinâmicas muito engraçadas. Os grupos do whatsapp acabam por ajudar muito nas dinâmicas e somos um grupo muito homogéneo, com boa disposição e a remar para o mesmo lado.
E objetivos… teremos mais um lugar de pódio e quem sabe o ouro?
GC – Espero que sim. O meu colega de equipa Jota ganhou medalha no mundial universitário e era giro eu, partilhando o mesmo balneário que ele, ganhar o mesmo título. Quando surgiu a oportunidade de eu vir à seleção falamos disso e ele contou-me a experiência dele, é uma pessoa incrível e ajudou-me a chegar mais confortável aqui. Com o público que teremos por estarmos em casa, com todas as condições que a FADU nos tem proporcionado acho que podemos alcançar algo muito positivo, sabendo que o primeiro passo será passar a fase de grupos.