‘O meu pai levava-me à piscina desde muito novo, era uma cena nossa’ - Paulo Vakulyuk
O desporto tem o poder de mudar o mundo, tem o poder de inspirar, de unir um povo como poucas outras coisas podem fazê-lo. Foi Nelson Mandela quem o disse. Se pode unir um povo, melhor pode unir uma família. Paulo Vakulyuk, estudante-atleta de natação, é um bom exemplo disso. O elo familiar ao desporto é forte e não se perdeu na viagem que os pais fizeram da Ucrânia para Portugal, vão já longos anos.
Cabelo claro e olhos claros. Se isto não desse pistas suficientes, o nome vem denunciar-lhe as origens. Paulo Vakulyuk tem ascendência ucraniana, raízes que crescem em sintonia com o nível de maturidade que se lhe nota, apesar de ter apenas 19 anos. Estudante-atleta pela Associação dos Estudantes da Faculdade de Motricidade Humana (AEFMH), sagrou-se campeão nacional universitário de natação, nos 50m mariposa, e era um dos selecionados para representar Portugal nos Jogos Mundiais Universitários (JMU) - que este ano decorreriam na cidade chinesa de Chengdu e que entretanto foram adiados - e pode participar também nos Jogos Europeus Universitários de Lodz, em julho.
O desporto esteve sempre presente. O pai é formado em Educação Física, o irmão mais novo joga futebol, e a mãe - que é professora de inglês -, não dispensa a sua corrida diária. Nos tempos livres não dispensam a atividade física. ‘Outras famílias vão passear de carro, nós sempre tivemos aquela coisa de ir à praia, eu para surfar e o meu irmão para fazer bodyboard, ou para jogarmos ténis. Vamos jogar basquete ao fim de semana quando estamos juntos, sempre tivemos esses hábitos inseridos nas rotinas’, contou. A natação foi um caminho que começou de mão dada com o pai. ‘Na Ucrânia, quando os meus pais saíram de lá, não havia muitas piscinas. Agora, em qualquer cidade encontramos uma piscina e é normal. Mas lá não havia muitas e quando eles vieram para Portugal, no sítio onde nós morávamos, havia. Para o meu pai aquilo era extraordinário, então começou a levar-me à piscina desde muito novo, era interessante para ele e para mim também… era uma cena nossa’.
Natural de Torres Novas e caloiro do curso de Ciências do Desporto, está ainda à procura do equilíbrio, entre os estudos, as competições e a recente mudança para a capital. ‘Optei por me inscrever na faculdade, sabendo que é a natação que quero levar a 100 por cento agora. Como é o primeiro ano, estou numa fase de adaptação, quer pelo facto de estar a morar em Lisboa quer pelo facto de estar a treinar com uma nova equipa técnica, novos horários. Tem sido complicado conciliar com os estudos’ disse, sem ponta de alarmismo. ‘Não estou com muita pressa porque ainda sou novo. Estou à procura de uma rotina que me faça melhorar o desempenho na natação e quando encontrar essa rotina quero começar a conciliar um pouco melhor os estudos. Porque no primeiro semestre fiz uma cadeira, foi muito pouco. O meu objetivo é conseguir fazer 2/3 cadeiras por semestre, algo mais completo, para não deixar tudo para trás’. O plano está feito, consciente de que muitas vezes terá de ir a exames pela impossibilidade de fazer uma avaliação contínua. ‘Basta-nos ter uma semana de provas para anular o resto do semestre’, contou.
Como no caso do ovo, surge a questão: a escolha do curso teve em conta as melhores condições para continuares na natação ou as melhores condições para a prática e evolução na modalidade encaminharam-te para a escolha do curso e local? ‘Alinhou-se tudo. Faltavam dois meses para vir para Lisboa e não sabia onde iria treinar. Surgiu a oportunidade do Centro de Alto Rendimento (CAR do Jamor) e na altura já tinha em mente vir para a FMH estudar deporto, que é o que realmente gosto. Ainda ponderei escolher um curso em que é preciso uma média mais alta, por ter o estatuto [de atleta de alto rendimento], mas sabia que se for para fazer algo de que goste teria de ser desporto’.
As oportunidades oferecidas pelo desporto universitário
Soube através dos companheiros do círculo da natação das provas universitárias, muito por ser ano de europeus e mundiais, e decidiu participar no Campeonato Nacional Universitário (CNU) de Natação (piscina longa). O incentivo de saber que em algumas instituições de ensino superior o desempenho nas competições universitárias pode ser uma porta aberta para ajudar no pagamento de propinas também ajudou. ‘Ouvi sobre isso a colegas meus, mas penso que na minha faculdade, a nível de propinas, não terei essa ajuda. Acabei por ir e ver também se conseguia qualificação para os Jogos Europeus Universitários’, contou. Os mínimos para participar nos mundiais universitários estavam assegurados antes do último CNU em que participou. ‘Consegui os mínimos nos 50m mariposa e sabia que iria se conseguisse. Quando era mais novo tive uma experiência semelhante porque estive num festival olímpico da juventude europeia e adorei ver os vários desportos e atletas, sei que vai ficar para sempre na minha memória e estou muito curioso’, contou, sabendo-se agora do adiamento da competição para 2023.
O acompanhamento no Jamor e o clube do coração
Em julho do ano passado, no Campeonato da Europa de Juniores, juntamente com Diogo Ribeiro, Carolina Fernandes e Mariana Cunha, Paulo bateu o recorde nacional na prova mista de 4x100m livres, tendo fixado o recorde máximo nacional júnior e absoluto de Portugal com 3:34.68. A nível individual, fez o pleno de recordes pessoais nos 50 e 100m mariposa e nos 50m livres, tendo estabelecido um novo recorde nacional na meia-final dos 50m mariposa. Parte de um percurso que culmina na oportunidade de ter ainda melhores condições, no Jamor, onde é acompanhado por um treinador, um biomecânico, um fisiologista, um fisioterapeuta e um nutricionista. ‘É bom todo o acompanhamento que nos oferecem. Isto faz-nos sentir importantes. Há um grupo de pessoas a trabalhar para que nós possamos melhorar, não é como se estivéssemos a trabalhar por conta própria. Sinto-me um profissional e é muito bom’, contou, ele que já tinha estado dois anos no CAR de Rio Maior, para onde foi com apenas 15 anos.
‘Esta transição para o CAR Jamor já não é uma novidade para ele, que é bastante autónomo’, contou Pascoal Mendes, que o acompanha desde os nove anos, no Clube de Natação de Torres Novas (CNTN), e que vê nele um rapaz diferenciado. ‘É um miúdo bastante positivo e com alguma maturidade já. Sabe analisar bem as situações e ver que nem tudo é cor-de-rosa. Gosta de desafios e quanto maior for o desafio, melhor é a resposta dele’. O acompanhamento e carinho do clube ‘à porta de casa’ que o acompanha desde o início, é reconhecido. ‘Sentir o apoio deles para mim é o mais importante. Já tive alturas em que se calhar não consegui reconhecer isso e valorizava mais os resultados e as medalhas, mas com os anos e depois de sair da minha cidade e do meu clube, comecei a perceber que a natação não são só os resultados, mas que envolve memórias, as pessoas que vou conhecendo, valorizo muito o meu clube, o Pascoal e todas as pessoas que estão lá. Tendo eu passado por vários sítios, consegui perceber que o clube, apesar de não ter as melhores condições e de não ter muito o apoio do município, tem profissionais incríveis que conseguem levar os atletas a outro patamar’. Apesar de algumas sondagens, o torrejano não se vê a mudar de clube ‘só porque sim’. ‘Estou a treinar no CAR e já tenho as condições. Se houver uma oferta que ache boa e se tiver o apoio do meu treinador Pascoal, do meu clube e dos meus pais, irei ponderar… mas não mudarei só porque sim. Prefiro representar o meu clube a custo zero para o resto da vida do que estar a representar um clube grande [ao qual não tenha nenhuma ligação emocional] nas mesmas circunstâncias’.
A ligação à Ucrânia
Nasceu em Portugal e foi a Zhytomyr, terra natal dos pais na Ucrânia, apenas uma vez, quando tinha 6 anos. As circunstâncias não permitiram que tivesse sido diferente, mas mantém o contacto com os familiares que ficaram a fazer vida por lá, sobretudo nesta fase de guerra, em que alguns deles tiveram de se refugiar em Portugal. ‘Estamos a receber alguns familiares vindos da Ucrânia e a minha mãe está a ajudar na tradução e a ensinar-lhes português, a eles e a outros que chegaram também’, contou, referindo que o pai trabalha como camionista há vários anos e que a mãe está agora a ‘exercer’ de forma mais informal o papel de professora. O sentimento de pertença proporcionado pelas origens ucranianas foram apurando com o tempo. ‘Antes de tudo isto acontecer [o início da guerra] não tinha noção de que iria sentir tanto, não esperava ficar tão afetado’. Confessa que o eclodir da guerra ‘lhe bateu a sério’, algo que avalia honestamente como inesperado. ‘Quando era mais novo bloqueava um pouco esse sentimento de pertença pelas opiniões dos outros, e não sentia tanto as coisas. Quando fui para Rio Maior tinha lá um dos meus melhores amigos, que também é ucraniano, comecei a falar mais com ele em ucraniano e sobre alguns costumes. Cresci, comecei a ganhar mais maturidade e já não escondo essa cultura que tenho’.