Afonso Costa, o professor de geografia que vai remar em Tóquio
Remador português apurou-se para os Jogos Olímpicos em dupla com Pedro Fraga e conseguiu concretizar o sonho dele e o da mãe: vê-lo formado e a participar no maior evento multidesportivo do mundo. No Ensino Superior remou contra as dificuldades e já conta com uma licenciatura, um mestrado e uma pós-graduação. Foi medalha de ouro nos Jogos Europeus Universitários de Coimbra (2018), em dupla com o irmão, Dinis Costa.
Portugal estará representado na modalidade de remo nos Jogos Olímpicos. O feito foi conseguido pelos remadores Afonso Costa e Pedro Fraga, que se apuraram em Itália, após conseguiram o segundo lugar na final de double scull ligeiro da prova de qualificação europeia. E se para Pedro já não é novidade participar nos Jogos Olímpicos, Afonso é um estreante. ‘Foi o realizar de um sonho, que há algum tempo tinha passado a objetivo porque sabíamos do que eramos capazes’ começou por dizer o setubalense, que não escondeu as expectativas à partida para Itália e a sensação que trouxeram na bagagem. ‘Sentimo-nos realizados e de consciência tranquila porque trabalhámos bem. Estávamos confiantes e fomos lá fazer o que pretendíamos, que era apurarmo-nos’.
Se o apuramento é um feito, o percurso de Afonso Costa enquanto estudante-atleta, torna esse feito ainda mais notável. E tudo começou na terra do choco frito, de onde é natural e onde deu os primeiros passos e as primeiras remadas. ‘Setúbal é uma cidade costeira, com atividades náuticas, o remo agradou-me, experimentei, gostei e ficou’, disse o remador de 25 anos, revelando outras experiências no desporto. ‘Praticava outros desportos em simultâneo, como a natação e o aikido. E ainda tocava bateria! O remo acabou por ficar quando vi que tinha potencial. A partir daí comecei a concentrar todos os esforços nisso’. A modalidade faz parte da sua vida desde os nove anos, e o Clube Naval Setubalense – que ainda hoje representa – teve um papel fundamental. ‘O meu clube teve uma importância enorme, principalmente o meu treinador de sempre, o Filipe Chagas, que desde pequenino me incentivou e que teve um papel primordial neste resultado, que também é dele. Passou-me o gosto pela alta competição e é como um pai para mim’.
O acompanhamento permaneceu quando decidiu mudar-se de remos e bagagem para Coimbra, uma decisão nada aleatória. ‘A escolha teve 100 por cento a ver com o remo!’, esclareceu de imediato, sem deixar de frisar o carinho muito especial que tem pela cidade e pela academia que o acolheu. A ‘cidade dos estudantes’, com Montemor-o-Velho logo ali e com todas as condições para a prática da modalidade que o cativou, acabou por ser uma escolha inteligente. ‘Sem esse jogo de cintura não seria possível e teria de arranjar as tais desculpas de que não há tempo e de que é difícil. Claro que se fosse fácil todos conseguiam!’. E ele conseguiu. Licenciou-se em Geografia na Universidade de Coimbra e foi também aí que frequentou o mestrado em Ensino de Geografia, que hoje em dia lhe confere o estatuto de professor. Mais tarde houve ainda tempo e espaço para mais um diploma académico, o de pós-graduado em Ecoturismo, grau conferido pelo Politécnico de Coimbra. As qualificações estão asseguradas e por agora o professor deu lugar ao atleta olímpico, porque o presente é agora e o futuro só poderá ser risonho. ‘Fiz o estágio curricular na escola Avelar Brotero enquanto estava nesta preparação olímpica. Com o apoio da universidade, da própria escola, e com flexibilidade de horários, foi possível. Neste momento sou professor, mas no nível em que estou, ainda para mais agora que estou qualificado e me dedico ao remo a 100 por cento, não é possível conciliar com o ensino’. Com um apurado sentido prático, Afonso deixa uma certeza que pôs em prática: ‘Há realmente tempo para tudo, mas é preciso organização’.
O ouro nos EUSA Games em Coimbra
Foi também a capacidade de organização que levou a que ele e o irmão, Dinis Costa, conseguissem participar nos Jogos Europeus Universitários, que em 2018 se realizaram em Coimbra. Essa participação resultou numa medalha de ouro. ‘Foi uma competição muito familiar, não só por estar a competir com o meu irmão, mas também por ser pela AAC/Universidade de Coimbra - que me é muito querida -, e por termos ganho em Portugal. Foi uma competição muito própria e acolhedora, com boa envolvência’, recordou. Dinis Costa, o irmão mais novo que frequenta o curso de Engenharia Informática, reconheceu que o ouro lhes deu alguma visibilidade e que na altura ‘até os professores brincaram' com o facto de terem ganho. O caçula destaca a calma como a principal caraterística do irmão, algo ‘que ajuda a manter o equilíbrio na equipa’. Fora das águas, há um futuro promissor como professor porque, garante Dinis, ‘é um bom orador, um bom ouvinte e faz boa companhia’.
A dupla com Pedro Fraga e o futuro
Se para Afonso o apuramento permitirá a sua estreia nos Jogos Olímpicos, para Pedro Fraga será a terceira vez, depois do oitavo lugar em Pequim (2008) e do diploma de quinto classificado em Londres (2012), na altura em dupla com Nuno Mendes. Pedro passou de ídolo a companheiro, e a amizade surgiu, naturalmente, com a convivência. ‘Às vezes não temos oportunidade de conhecer os nossos ídolos e neste caso o ídolo tornou-se um amigo. Será sempre uma referência para mim, mas começamos a treinar juntos e passou a ser um amigo. Temos uma relação de amizade e enorme companheirismo e estamos os dois a trabalhar para o mesmo.’ À pergunta sobre o que deve ter uma dupla para funcionar bem no remo, a resposta fez-se acompanhar de algum sentido de humor. ‘Às vezes é difícil, é preciso ter paciência, haver empatia, compreensão e, acima de tudo, respeito. É quase como numa relação amorosa! (risos) Apesar da diferença de idades, ele tem uma mentalidade jovem, eu considero-me relativamente maduro e a diferença acaba por não se notar, é só mesmo um número’, disse, relativamente à diferença de 13 anos que existe entre ambos.
Tendo alcançado o mais alto nível, o objetivo passa agora por conseguir o melhor resultado possível em Tóquio. ‘Se me tivessem perguntado qual era o meu objetivo de futuro há dois dias eu teria dito que era qualificar-me para os Jogos Olímpicos. Agora o passaporte já está carimbado e por isso falta viver aquele ambiente olímpico, que com a questão da COVID-19 será diferente. Em termos desportivos, apontamos sempre para o topo, queremos sempre mais e alcançar uma final ou ter um diploma olímpico já será um bom começo.’
A mãe foi a base que nunca esquecerá
Apesar de não ter na família precedentes no desporto, Afonso teve sempre o apoio da sua maior fã. ‘A minha mãe, que faleceu há um ano e meio, foi, até à data, a minha maior apoiante neste percurso. Deu-me sempre todo o apoio, partilhava comigo o sonho de eu ir aos Jogos Olímpicos e de me ver formado’. Em Varese, localidade italiana onde disputou o apuramento, esse apoio fez-lhe companhia. ‘Pensei nela logo na primeira remada e antes da final também foi nela que pensei, sei que teve influência no resultado e de certeza absoluta que está orgulhosa’, contou, sem embargo na voz. ‘O apoio familiar – a par do dos clubes – é essencial. Sem esta base da família, os clubes e treinadores não conseguem nada. Sem a base, não avanças para as fases seguintes’.
A versão e-paper pode ser descarregada aqui.